Falando de Dinheiro # 80 | Quero saber em quanto parcela
O mar estava tranquilo. A maré baixa permitia desfrutar das águas agradáveis sem ondas, sem sacolejos. No máximo um susto aqui e outro ali quando se movimentava e pisava em algumas pedras no chão. Nesse ambiente, dois casais conversavam de forma animada dentro d’água.
Aparentemente, eles tinham acabado de se conhecer. E pulavam de um assunto para outro com mais velocidade que os peixes passando entre nossas pernas. O começo da conversa envolveu dicas sobre como se comportar dentro do mar, na fala seguinte estavam debatendo qual seria o melhor carro, pensamentos para aposentadoria, compras de fim de ano e, de repente, chegaram em como se organizaram para estarem ali no mar de Praia do Forte.
O primeiro casal contou que juntou dinheiro, planejou a viagem com calma, organizou as coisas. Eis que o marido do segundo casal resume como eles fizeram para deixar Belém e viajar para a Bahia:
- O que eu sempre falo é: não quero saber quanto custa. Quero saber em quanto parcela.
Ele repetiu a frase algumas vezes na conversa. Sempre aos risos. Em determinado momento, até disse que essa era uma tática igual a de um cantor sertanejo – confesso que não lembro o nome agora. O valor de algo não deveria ser a preocupação. Mas sim a possibilidade de dividir e pagar ao longo dos meses.
Quem me acompanha há um tempo sabe que não trato nada como certo ou errado. Não é um 8 ou 80. Sempre defendo a avaliação do cenário para entender qual a decisão mais indicada em cada situação. Faço assim também com o parcelamento, seja ele qual for.
Entendo que em muitos casos se você não parcelar não vai conseguir ter o que quer tão seja. Pode ser um objeto, um eletrodoméstico, uma viagem.... Em algumas situações é possível juntar, aguardar um pouco mais e comprar. Em outras não tem saída. Ou parcela ou não compra.
Entender esse lado não é, no entanto, dizer que deve agir assim a todo momento. Uma viagem, um computador, um celular, um carro novo, o mercado do mês.... “Não quero saber quanto custa. Quero saber em quanto parcela”.
Pode ser engraçado, gerar algumas risadas, mas tem um risco enorme por trás da brincadeira. Vou assumir o papel do chato da sala para falar sobre isso. O costume – sim, acaba virando um costume porque é a forma que vamos encontrando para realizar os objetivos – tende a ser o começo de um descontrole.
Vou usar como exemplo o rapaz da conversa no mar de Praia do Forte. A preocupação dele era em quantas parcelas poderia pagar a viagem para a Bahia. Vamos supor que foram oito parcelas de R$ 500 (sem entrar no mérito se está barato ou não). Na volta para casa, ele tem que fazer mercado (disse que parcela do mesmo jeito). E aí divide em três vezes de R$ 500 também. Só aí já são R$ 1 mil na fatura por ao menos três meses.
Só que ele voltou de uma viagem que curtiu bastante e, na cabeça dele, não ficou caro. “São só R$ 500 por mês”, justifica. Então já começa a planejar uma nova viagem. Essa uma pouco mais longa. “Vão ser 10 parcelas de R$ 750. Vai valer à pena”.
Percebam que uma parcela isolada pode não fazer um estrago grande. Mas se junta uma viagem, uma compra do mês do mercado e a viagem seguinte, já são R$ 1.750 de parcela no mês. Isso significa que você nem recebeu seu salário ainda e já tem uma dívida de R$ 1.750 garantida pelos próximos três meses. Fora outras parcelas que virão.
Então, o problema não é o parcelar em si. Em alguns casos vai ser a única saída. Não há como negar isso. O problema está no descontrole que é facilitado quando o parcelamento se torna um estilo de vida.
Muito cuidado. A parcela pode até ficar barata, mas esse estilo pode sair muito mais caro do que o imaginado.
Excelente texto, Raphael.
Eu mesmo estava nessa onda de parcelar pequenas coisas que acabaram por tomar quase toda a minha renda nos últimos meses.
Tenho agora evitado gastar o mínimo possível para diminuir esses gastos recorrentes, e não ter mais esse comportamento e estilo de vida dispendioso, que é muito danoso, e nos impede de investir, acumular patrimônio...