Falando de Dinheiro #167 | Inimigo do fim
Dia desses vi alguém comentando na internet sobre o sabonete de retalhos que havia construído. Era um comentário em tom de brincadeira, mas que imagino ser (ou ter sido) uma prática comum em diversos lares brasileiros.
Os dias vão passando, os banhos sendo tomados, e o sabonete vai sumindo na palma da mão. A cada ida ao banheiro, ele ocupa um espaço menor entre os dedos. E é aí que entra aquele jeitinho que alguns encaram como um desafio de não se dar por vencido pela espuma. Pra outros, de fato, é uma forma de economia.
O canto da saboneteira vai se tornando um depósito de restos mortais do sabonete: um pedaço branco, um azul, um verde… como se o recado fosse: “você não acabou ainda, não. Fica aí que ainda tem uso pra você”.
Sabonetes novos vão chegando, fazendo espuma, diminuindo, até que ganham a chance de ficar ali no cantinho. E assim vai, até o ponto de olhar para a saboneteira e pensar: quem achou que acabou, pode se preparar.
É chegada a hora. É o momento de molhar a mão e catar aquele retalho colorido. O azul, verde, branco, vermelho, rosa vão sendo incorporados em uma coisa só. O quase fim de cada sabonete é transformado em um novo. O perfume dele? Ah, não dá pra saber. A cor? Deixa como retalho mesmo que vai ser difícil descobrir.
O jeitinho no banho é uma tentativa de usar o sabonete até a última espuma. Dar sobrevida, empurrar a compra de um novo pra frente, se recusar a aceitar que aquele ali já foi e deixar ir pelo ralo. Não. Tem que ter um jeitinho de fazer durar mais. “Compro cinco, mas eles viram seis”.
E fazer as coisas durarem mais pode ser uma especialidade ou até a única saída em muitos casos. Acontece muito quando o dinheiro acaba e ainda tem muito mês pela frente.
Uma possível cliente me contou, num papo inicial, que isso tem sido rotina com ela. Recebe o salário, paga as contas fixas e vai usando o que sobra. Quando muito, lá pro dia 20 já não tem mais nada na conta. E aí a forma de fazer o mês chegar até o fim é aquele jeitinho: jogar o pagamento para o mês seguinte no cartão de crédito.
O cartão, nesse caso, vira um extensor do mês. Permite seguir com mercado, transporte, combustível, o que for — mesmo sem ter o dinheiro na conta. Afinal, joga no cartão e “deixa pro mês que vem”.
Só que o mês que vem chega. E, quando chegar, além das contas de sempre, ainda vem na fatura o custo daqueles dias em que o dinheiro já tinha acabado, mas o mês não. A tendência, então, é que os meses fiquem cada vez mais longos.
Por mais que, em alguns momentos, o cartão seja socorro ou única saída, essa prática faz os gastos se acumularem. O dinheiro acaba mais cedo, o cartão entra mais cedo em cena — e a fatura não para de crescer.
Ter o cartão como forma de estender o mês pode até ser inevitável em muitos casos. Mas requer atenção pelo que pode se transformar. É melhor parar, entender o que está acontecendo e, aos poucos, buscar equilíbrio para que a conta e o mês consigam andar de mãos dadas.
Até porque acumular os gastos no cantinho do cartão, quando o dinheiro já acabou, não é tão inofensivo quanto montar um sabonete com retalhos a cada banho.