Falando de Dinheiro #155 | Uma passagem, uma fatura e uma lição
Ao longo dos meus 18 anos atuando no jornalismo diário, vivi as mais variadas histórias possíveis. Teve emoção, falta de noção, absurdos, inspiração… teve de tudo. Esta semana, por acaso, lembrei de um fato que aconteceu lá em 2011.
Naquele dia, como repórter do então globoesporte.com, eu estava no centro de treinamentos do Bahia para cobrir o treino. Na época, nós do site íamos de carona para os treinos com a equipe da TV Bahia. E, de carona, tínhamos que acompanhar o que eles fossem fazer.
No treino daquele dia, o presidente do Bahia convocou uma entrevista para anunciar uma série de eventos comemorativos pelo aniversário do clube. Só que, como em toda entrevista, o que era pra começar às 16h, começou quase às 18h. E terminou lá pelas 19h.
Até aí, tudo bem. Um pequeno atraso. Eu já tinha adiantado tudo que precisava fazer e chegaria na redação perto do meu horário, que era 20h. O problema foi que, na coletiva, o presidente do Bahia disse que uma das ações seria uma missa na Igreja do Bonfim. A informação em si não foi o problema. A grande ideia do repórter, sim.
— Vamos lá na igreja fazer uma passagem?
Passagem, pra quem não conhece, é aquela parte da matéria onde o repórter aparece falando sobre o tema. E, para ele, fazia sentido gravar na frente da Igreja do Bonfim. Mesmo que ela estivesse fechada, por já passar das 19h.
Na hora em que ele falou, o cinegrafista, o auxiliar e eu nos olhamos com cara de desespero. Eram mais de 30 quilômetros de distância no trânsito das 19h. Que delícia.
Mas não teve quem fizesse o repórter mudar de ideia. Ele bateu o pé:
— Vai ficar muito bom. Só a gente vai ter essa imagem!
Pois fomos. Uma hora depois, a empolgação tinha ficado pelo caminho.
— Tá meio escuro, não é? Melhor voltar pra redação mesmo...
E foi assim que a ideia genial de gravar uma passagem à noite na Igreja do Bonfim se transformou numa desculpa sem graça — e numa saída da redação quase duas horas depois do que deveria ser.
— É, imaginei uma coisa, mas foi outra. Não dava pra adivinhar — desculpou-se o repórter.
Não era bem “não dava pra adivinhar”. Os alertas foram dados, todo mundo avisou, o bom senso gritava. Só que, às vezes, a gente exagera na confiança daquilo que queremos que dê certo. Mas o otimismo nem sempre encontra espaço na realidade.
Foi assim, por exemplo, que uma cliente comentou que ia passar a usar só o cartão de crédito para organizar as contas:
— Tenho o dinheiro na conta, passo as coisas no cartão, ganho as milhas e, quando chegar a fatura, pago tudo sem problema.
Esse foi o raciocínio dela. Bem no estilo do repórter: cruzar a cidade, fazer a passagem e ainda chegar na redação em menos de uma hora.
Como a teoria mostrava um bom plano, ela começou a fazer isso. Antes, a vida estava organizada, tudo no lugar, sem dívidas. O que ganhava era utilizado para pagar o necessário ao longo do mês. Se não dava, segurava a compra — e a vida seguia normalmente.
Chegou então o momento de usar o cartão para tudo. Na prática, o que mudou foi que, em vez de pagar com débito ou pix, ela só precisava dizer que o pagamento seria feito no cartão de crédito. Uma alteração simples no que era dito. Ela só não imaginava que isso geraria um problema que nunca havia passado na vida: o gasto exagerado.
Praia, mercado, show, um almoço aqui, um jantar ali… O mês ia acontecendo e o “passa no crédito” ganhando corpo. Enquanto isso, o salário continuava lá, na conta corrente. Ele deveria permanecer quietinho para pagar a fatura do mês seguinte. Mas ela não aguentou ver a conta com tanto dinheiro — afinal, não era costume vê-la tão cheia no meio do mês.
— Ah, ainda tenho bastante dinheiro. Dá pra fazer isso, fazer aquilo, comprar o que quero.
Além de se permitir gastar mais no cartão por ver a conta alta, ela começou a gastar também no débito. Ou seja: o dinheiro que deveria ser reservado para pagar a fatura começou a ser usado para outras coisas ao longo do mês. Tudo lindo, a vida maravilhosa.
Eis que chegou o bendito e-mail com a fatura do cartão. Foi quando bateu o desespero.
— Você começa a gastar no cartão, o dinheiro fica na conta, você acha que tem dinheiro sobrando, gasta mais no cartão, não separa o valor — e aí gasta tudo.
Não é a intenção aqui dizer que o cartão não deve ser utilizado, que milhas não funcionam ou que o gasto vai ser maior. Às vezes, temos que escolher com inteligência as batalhas que vamos enfrentar. Nesse caso, como há um apelo grande do outro lado, adoto a postura de minimizar os problemas — evitar que situações assim aconteçam.
Como a gente sabe, nem sempre nosso otimismo vai se concretizar na prática. Então, dá pra pensar em algumas formas de proteção. Em relação ao cartão de crédito, uma maneira de evitar o “meu Deus, quem gastou tudo isso?” é criar o que podemos chamar de “conta de segurança”. Ela pode ser usada de duas formas:
1. Transferência a cada gasto
Essa dá mais trabalho, mas nos mantém mais alertas em relação ao que estamos gastando. Funciona assim: mantemos o valor do salário na conta e, a cada uso do cartão de crédito, transferimos o valor correspondente para a conta de segurança. Dá trabalho ter que transferir o valor toda vez, mas faz com que a sensação de gastar nos gere aquela famosa “dor do pagamento”. Vamos sentindo que estamos gastando, sabe? Não fica só aquele “passa no crédito” sem noção. Dessa forma, quando a fatura chegar, teremos exatamente o valor para pagar na conta de segurança. Enquanto isso, vamos ajustando se podemos ou não gastar mais com o saldo da conta corrente principal.
2. Definição de teto mensal
A segunda forma é um pouco mais aberta. Nela, definimos um valor máximo para a fatura do cartão de crédito. Por exemplo: R$ 3 mil no mês. Esse é o valor saudável da fatura. Então, transferimos os R$ 3 mil para a conta de segurança. Isso evita que a conta corrente fique “cheia demais” e garante que, ao menos, o valor para pagar a fatura já esteja guardado. Para reforçar o controle, podemos estipular marcos ao longo do mês: dividir o mês em três e, a cada dez dias, conferir a fatura. No dia 10: até R$ 1 mil. Dia 20: até R$ 2 mil. E, no final do mês, R$ 3 mil.
Essas são duas formas de manter o uso do cartão de crédito, mas com mecanismos para evitar que a autoconfiança nos pregue peças. Pode acontecer um escorregão aqui, outro ali, mas o caminho estará bem delimitado. Para não ter nenhuma surpresa negativa, o melhor seria deixar o crédito de lado — mas a gente sabe que a tentação é grande.
Só que, assim, quando surgir aquela vontade de atravessar a cidade no horário de pico só para ter uma imagem, a proteção vai estar lá — pra evitar que o otimismo supere o bom senso. E a dor de cabeça com a fatura, certamente, vai diminuir.